O Que é Psicoterapia, Afinal?
Quando alguém procura a psicoterapia, pode ter diferentes objetivos: entender melhor a si mesmo, crescer pessoalmente, lidar com desafios da vida ou tratar problemas emocionais e psicológicos. Mas o que realmente acontece dentro de uma sessão de terapia?
Se você já assistiu a filmes ou séries que mostram terapia, pode ter visto cenas de longas conversas filosóficas, terapeutas confrontando seus clientes ou pessoas em processo sem fim de investigação da própria infância. Embora essas imagens façam parte da cultura popular, a realidade da psicoterapia é bem diferente.

Psicoterapia Não é Apenas "Conversar"
Muita gente pensa que terapia é apenas sentar e conversar, mas, na verdade, é uma prática profissional baseada em conhecimento científico e técnico. Assim como a engenharia usa cálculos para construir pontes seguras ou a medicina aplica estudos para tratar doenças, a psicoterapia se baseia em teorias psicológicas e pesquisas para ajudar as pessoas.
Além disso, a psicoterapia tem um compromisso ético. Psicoterapeutas seguem regras rigorosas, como manter o sigilo absoluto sobre o que os clientes compartilham, garantir que o tratamento seja conduzido de maneira profissional e respeitar os direitos e necessidades de cada pessoa. No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia determina que a psicoterapia deve ter uma base teórica sólida e ser conduzida dentro de um ambiente profissional para promover saúde mental e ajudar no enfrentamento de desafios emocionais1.
Ou seja, psicoterapia não é apenas uma conversa casual – ela envolve estratégias planejadas e tomadas de decisão situacionais, conduzidas por um profissional qualificado.
Se a terapia não é apenas um bate-papo, então o que realmente acontece dentro de uma sessão? Para entender isso, precisamos olhar para alguns elementos essenciais da psicoterapia
O Que Acontece na Terapia?
Para entender melhor, vamos explorar alguns elementos essenciais da psicoterapia:
Elementos da Psicoterapia
1. Existem Muitas Formas de Fazer Terapia
A psicoterapia não é uma única coisa – existem centenas de abordagens terapêuticas, cada uma com um jeito próprio de entender e tratar o sofrimento emocional. Algumas terapias são mais diretas, trazendo técnicas e exercícios específicos. Outras são mais exploratórias, ajudando a pessoa a refletir e se conhecer melhor.

Embora a escolha da abordagem terapêutica seja frequentemente debatida na Psicologia, ela, por si só, não costuma ser o principal fator determinante para o sucesso do tratamento2. Muitos estudos apontam que, enquanto algumas condições específicas, como Transtorno Obsessivo-Compulsivo ou Fobias, podem se beneficiar de abordagens mais direcionadas, para diversas demandas clínicas, o impacto da abordagem escolhida pode ser menos relevante do que outros fatores.
E como saber se uma abordagem é confiável?
Nem toda abordagem que se diz 'terapia' realmente funciona. Para diferenciar tratamentos sérios de práticas duvidosas, o pesquisador Bruce Wampold definiu um critério chamado 'terapias genuínas' (bona fide therapies). Esse termo se refere a abordagens reconhecidas pela ciência, que seguem princípios psicológicos sólidos e são conduzidas por profissionais qualificados3.
Entre as terapias genuínas, estão abordagens como a Terapias Cognitivo-Comportamentais (TCCs), Terapias Psicodinâmicas, Terapias Humanistas, Terapias Exitenciais, Sistêmicas e muitas outras
Entre as características das terapias genuínas estão:
Se baseiam em teorias sólidas e princípios reconhecidos pela Psicologia
Seguem padrões éticos profissionais.
Têm um objetivo claro de ajudar o cliente.
São conduzidas por terapeutas treinados.
Adaptam as técnicas às necessidades de cada pessoa.
Valorizam a construção de um vínculo de confiança entre cliente e terapeuta.
Possuem uma sistematização de técnicas, métodos e ações dos terapeutas, geralmente em forma de livros ou manuais
2. O Que é essencial na Psicoterapia?
Já percebeu como algumas conversas nos fazem sentir compreendidos, enquanto outras parecem superficiais ou desconectadas? Na terapia, essa conexão entre cliente e terapeuta é chamada de aliança terapêutica. Ela funciona como uma parceria: quando existe confiança, alinhamento de objetivos e do que vai ser feito em cada sessão, a terapia tem mais chances de trazer resultados positivos
Várias pesquisas mostram que essa relação é um dos principais fatores que influenciam o sucesso da terapia4.
Para que essa aliança seja eficaz, é preciso:
Vínculo emocional: O cliente precisa se sentir seguro para compartilhar seus pensamentos e emoções.
Objetivos em comum: Cliente e terapeuta devem estar alinhados sobre o que desejam alcançar na terapia.
Tarefas colaborativas: As atividades e métodos utilizados precisam fazer sentido para o cliente.
Imagine que você está falando com alguém que realmente te escuta, faz perguntas que te ajudam a refletir e nunca te pressiona a ser quem você não é. Esse é o tipo de conexão que a psicoterapia busca criar. A terapia não dá certo só porque o terapeuta é experiente ou porque a abordagem é popular – ela funciona quando terapeuta e cliente encontram um caminho que faz sentido para aquela pessoa, respeitando seu tempo, sua história e suas necessidades
Enquanto a Aliança é importante para os resultados, essa relação não acontece sem a colaboração de duas ou mais pessoas (clientes e terapeuta). Por isso, outros fatores contribuem também para os resultados.
3. O Papel do Terapeuta
Imagine um terapeuta que interrompe constantemente, sugere exercícios que não fazem sentido para o cliente e parece desinteressado no que a pessoa está dizendo. Difícil imaginar que essa terapia traria bons resultados, certo?
Terapeutas buscam ir além de ouvir, eles buscam perceber padrões no que você diz, faz perguntas que te ajudam a enxergar as coisas e adapta as estratégias conforme suas necessidades. Ele pode sugerir um exercício prático, te ajudar a lidar com um momento difícil ou até te incentivar a questionar certas crenças. Tudo isso sem impor um caminho pronto, mas guiando o processo de forma intencional e cuidadosa.
Estudos indicam que as decisões do terapeuta – como as perguntas que faz, os exercícios que propõe e o modo como reage às falas do cliente – podem influenciar os resultados da terapia5.
4. O Cliente tem um grande papel no processo
A terapia não depende apenas do terapeuta – o cliente também tem um papel fundamental.
Duas pessoas podem chegar à terapia com a mesma questão – digamos, ansiedade no trabalho – mas terem necessidades completamente diferentes. Uma pode querer entender a raiz do problema e falar sobre sua história. Outra pode preferir dicas práticas para reduzir o estresse no dia a dia. O terapeuta precisa reconhecer essas diferenças e adaptar o processo para que faça sentido para cada um. Afinal, terapia não é algo pronto, mas um trabalho conjunto onde o cliente tem um papel ativo
Inúmeros fatores individuais, como gênero, sexualidade, raça, espiritualidade, etnia, religião, história de vida, e vários outros, podem ser aspectos relacionados com o sofrimento ou com o progresso de cada cliente. Quando a terapia respeita essas particularidades, ela tende a ser mais eficaz.
Além disso, a terapia acontece durante um tempo muito curto da semana – geralmente uma sessão de 50 minutos. Fora da sessão, a vida segue acontecendo. Conflitos no trabalho, mudanças nos relacionamentos e desafios diários também influenciam o progresso terapêutico.
Por isso, a terapia precisa ser flexível e se adaptar às mudanças da vida do cliente.

Por fim, é importante destacar que cada pessoa pode preferir formas diferentes de lidar com certas condições. Algumas pessoas podem gostar de processos de autodescoberta e valorizar a expressão emocional, outras podem preferir um direcionamento mais ativo e uma explicação para o seu sofrimento. O pluralismo de abordagens é importante também para satisfazer diferentes preferências de quem busca a psicoterapia.
5. Fatores Externos Também Influenciam…
A terapia não acontece em um vácuo – a vida continua acontecendo fora do consultório. Você pode estar avançando bem no processo, mas uma mudança inesperada, como um problema familiar ou uma crise no trabalho, pode afetar seu progresso. Da mesma forma, eventos positivos, como um novo relacionamento ou um desafio profissional empolgante, também podem mudar o rumo da terapia. O papel do terapeuta é ajudar a lidar com essas transições sem perder o foco no que é importante para você.
A flexibilidade é essencial: quando algo novo e impactante acontece, a terapia deve ser capaz de se ajustar, dando espaço para refletir e processar essas experiências, sem desviar-se do objetivo central. Essas transições podem, inclusive, revelar novas áreas de foco ou necessidades que antes não eram claras, criando novos objetivos.
O Objetivo da Psicoterapia
O psicólogo pesquisador e psicoterapeuta John Norcross define a psicoterapia como um processo estruturado de mudança:
“Psicoterapia é a aplicação informada e intencional de métodos clínicos e posturas interpessoais derivadas de princípios psicológicos, com o propósito de ajudar pessoas a modificarem comportamentos, cognições, emoções e outras características, na direção que desejam”6
Ou seja, a terapia é, antes de tudo, um processo de mudança.
Quando alguém começa a terapia, normalmente quer mudar algo – pode ser um comportamento, uma forma de pensar, uma maneira de lidar com as emoções ou até melhorar seus relacionamentos. O papel do terapeuta é ajudar essa pessoa a encontrar os melhores caminhos para essas mudanças, de forma ética, profissional e baseada em conhecimento psicológico.
Sintetizando todos os fundamentos
A psicoterapia é uma prática profissional que busca promover mudanças positivas na vida de uma pessoa, utilizando métodos derivados de abordagens terapêuticas e de pesquisas científicas. Para isso, um profissional treinado estabelece uma aliança colaborativa com o cliente e considera hipóteses e aplica estratégias personalizadas, adaptando-se ao contexto, motivação, preferências e valores de cada pessoa.
Mais do que encontrar "a melhor abordagem", o essencial é que a terapia seja adaptada às necessidades de cada pessoa e conduzida por um profissional qualificado, que esteja comprometido em criar um espaço seguro e eficaz para a mudança acontecer.
Conselho Federal de Psicologia. (2022). Resolução nº 13, de 15 de junho de 2022. Brasília, DF. Link: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-13-de-15-de-junho-de-2022-408911936
Wampold, B. E., & Imel, Z. E. (2015). The great psychotherapy debate: The evidence for what makes psychotherapy work (2nd ed.). Routledge.
Flückiger, C., Willutzki, U., grosse Holtforth, M., & Wampold, B. E. (2024). Psychotherapy Works – An Inclusive and Affirming View to a Modern Mental Health Treatment. Clinical Psychology in Europe, 6, 1-12. https://doi.org/10.32872/cpe.11971
Flückiger, C., Del Re, A. C., Wampold, B. E., & Horvath, A. O. (2018). The alliance in adult psychotherapy: A meta-analytic synthesis.Psychotherapy, 55(4), 316–340. https://doi.org/10.1037/pst0000172
Norcross, J. C., & Lambert, M. J. (2019). Evidence-based psychotherapy relationship: The third task force. In J. C. Norcross & M. J. Lambert (Eds.), Psychotherapy relationships that work: Volume 1: Evidence-based therapist contributions (3rd ed., pp. 3–24). Oxford University Press.
Norcross, J. C. (1990). An eclectic definition of psychotherapy. In J. K. Zeig & W. M. Munion (Eds.), What is psychotherapy? San Francisco: Jossey-Bass.